A ação milionária movida pela jornalista Rachel Sheherazade contra o SBT, no valor de aproximadamente R$ 20 milhões, envolve não apenas questões trabalhistas, como férias remuneradas, 13° salário e pagamento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), mas também acusações de assédio moral e humilhação em rede nacional pelo dono da emissora, Silvio Santos.
As informações foram reveladas pelo site Notícias da TV, que teve acesso ao processo de 522 páginas, em que são detalhadas as reclamações feitas por Sheherazade contra a emissora paulista e contra o proprietário dela. Protocolada em 11 de março, na 3ª Vara do Trabalho de Osasco (SP), a ação narra alguns episódios em que, segundo Rachel, foram registrados casos de assédio e humilhação.
Um destes episódios teria sido a cerimônia do Troféu Imprensa, realizada em 9 de abril de 2017, quando Sheherazade subiu ao palco para receber o Troféu Internet de melhor apresentadora de telejornal, o qual ela havia conquistado em 2016. A jornalista diz ter sido humilhada por Silvio Santos em rede nacional na ocasião.
O processo destaca a seguinte fala do dono da emissora: “Eu te chamei para você continuar com a sua beleza, com a sua voz, foi para ler as notícias, e não dar a sua opinião. Se quiser falar sobre política, compre uma estação de TV e faça por sua própria conta”.
A defesa de Sheherazade diz que Silvio Santos teve um comportamento depreciativo, preconceituoso, vexatório, humilhante e constrangedor, além de ter uma “atitude nitidamente machista, [que] colocou a figura feminina numa posição em que a beleza física é supervalorizada em detrimento dos atributos intelectuais”. Por esse caso, os advogados pedem uma indenização de R$ 500 mil.
Outro ocorrido alegado pela jornalista é a suspensão dela do SBT Brasil, em agosto de 2019, após um pedido de Luciano Hang, dono da rede varejista Havan, um dos principais patrocinadores dos programas da emissora de Silvio Santos. Na época, a jornalista foi proibida de comandar o telejornal nas edições de sexta-feira.
– Silvio Santos a afastou da apresentação do telejornal SBT Brasil como nítida forma de punição, em razão de seus comentários e opiniões, bem como reduziu seu espaço no ar – diz a defesa dela.
Outros fatos apontados foram os boicotes que sofreu de colegas de trabalho. Nos anexos da ação, Sheherazade colocou prints das mensagens que trocou com José Occhiuso, diretor de Jornalismo do SBT, em que ela reclamava do desequilíbrio de distribuição de tarefas importantes, como gravações de chamadas e offs do telejornal.
Um e-mail que José Roberto Maciel, CEO do SBT, enviou para ela em 17 de outubro de 2014 também foi anexado à ação como prova de assédio moral. Na data, Rachel pediu afastamento do trabalho para se submeter a uma cirurgia. O executivo relembrou a ex-funcionária sobre a linha editorial do SBT e pediu para que ela revisse seu posicionamento político nas redes sociais.
Na ocasião, Maciel teria pedido a Sheherazade para reduzir o tom, visto por ele como agressivo. Neste período, a jornalista fazia duras críticas a Dilma Rousseff, que concorria à reeleição presidencial. Maciel disse que a postura dela envergonhava ele e muitos dos colegas de trabalho.
PROCESSO TRABALHISTA
A jornalista iniciou seu trabalho no SBT em março de 2011, na condição de prestadora de serviços, como pessoa jurídica, sem ter sua carteira de trabalho assinada. Seu salário inicial foi estipulado em R$ 30 mil, e ela recebia mais um bônus de R$ 7 mil para custos com moradia.
Por conta das renovações de seu contrato, Rachel teve um crescimento salarial exponencial. Seu último vencimento na emissora, pago em outubro de 2020, foi de R$ 214.108,47, quase 614% maior do que o inicial, conforme mostram as notas fiscais anexadas ao processo.
Mas a defesa de Sheherazade alega que a “pejotização” do acordo foi imposta pelo SBT com o objetivo de fraudar a legislação trabalhista, previdenciária e fiscal e de não pagar os direitos que a ex-funcionária teria caso sua carteira de trabalho tivesse sido assinada.
– Procedimento ilegítimo que o SBT utiliza com a maioria de seu corpo de Jornalismo e apresentadores – diz o advogado André Gustavo Souza Froez de Aguilar na ação.
Foram listados diversos motivos para sustentar a tese de que ela não era uma prestadora de serviços, mas uma funcionária do SBT: cumprimento de carga horária, exclusividade de trabalho com o SBT, subordinação a diretores da emissora, uso de e-mail corporativo, crachá de funcionária, direito a vale-refeição e plano de saúde.
No detalhamento dos itens que compõem a indenização de quase R$ 20 milhões pedidos por Sheherazade estão o recebimento de um aviso prévio de 57 dias, previsto em contrato, que lhe renderia R$ 406.806,09. O não pagamento de 13º salário em nenhum dos anos em que ela trabalhou na emissora. O valor acumulado é de R$ 1.433.065,76.
Em relação às férias integrais, que não lhe foram remuneradas, Rachel deixou de ganhar R$ 5.091.010,90. De FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), o valor calculado é de R$ 2.000.882,02, mais R$ 336.806,26 de multa.
Os advogados da jornalista exigem também o pagamento da diferença salarial decorrente dos reajustes que ela não usufruiu por não ser contratada pelo regime CLT, que chega ao montante de R$ 9.207.376,89. Pelos trabalhos em feriados e horas-extras, o valor pedido é de R$ 259.183,65.
As parcelas da participação nos lucros da receita da empresa (PLR), pagas a funcionários em regime de CLT do SBT, chegam ao valor de R$ 71.876,80. Pede-se ainda uma multa por infringência na carteira de trabalho de R$ 780,44, e a integração da remuneração extra para locação de residência à sua base salarial, com os devidos encargos trabalhistas embutidos, calculados em R$ 343.528,24.
– Dá-se à presente, o valor de R$19.651.317,00, única e exclusivamente para fins de fixação do rito em ordinário, registrando que o valor dado à causa não vincula o juízo e que não renuncia nenhum valor que o exceder – conclui a ação.
A Justiça Trabalhista marcou para 3 de agosto, às 10h10, a primeira audiência do caso, em que as testemunhas de Rachel Sheherazade e do SBT serão ouvidas pelo juiz. Hermano Henning, que também processou a emissora de Silvio Santos, falará a favor da ex-colega de trabalho.