No ano de pandemia, os brasileiros no geral aumentaram o consumo de alimentos dentro de casa, mas os mais pobres conseguiram colocar uma quantidade maior de comida no prato. Em 2020, o volume de itens consumidos dentro dos domicílios de todas as faixas de renda cresceu 4% em relação a 2019.
No entanto, entre as camadas de menor renda, as classes D e E, o avanço foi o dobro, de 8%, mostra pesquisa exclusiva da consultoria Kantar. Semanalmente, a consultoria audita 11,3 mil domicílios para radiografar o consumo a partir do tíquete de compra.
O aumento do consumo de alimentos pelos mais pobres foi embalado pelo auxílio emergencial, que injetou cerca de R$ 300 bilhões na economia em 2020. Cerca de 70% das classes D e E, com renda familiar de até R$ 2,6 mil, segundo o IBGE, receberam o benefício. Isso provocou um salto na receita dessa faixa da população, que gasta quase 25% do que ganha com comida.
Com mais dinheiro no bolso, os mais pobres incluíram itens que não faziam parte do cardápio. Presunto e apresuntados passaram a ser consumidos por 8,5 milhões de famílias das classes D e E no ano passado; 6,2 milhões de domicílios experimentaram empanados, do tipo nuggets, de frango, carne bovina e vegetais; 4,5 milhões foram às compras de hambúrguer, linguiça, maionese; 5,1 milhões passaram a usar manteiga e requeijão; e 7,1 milhões, azeite, mesmo do tipo misto, por causa da disparada de preço do óleo de soja.
O acesso a novas categorias de produtos por conta do auxílio emergencial lembra o movimento que ocorreu no início do Plano Real, em meados dos anos 1990. Na época, a queda abrupta da inflação permitiu a compra de frango e iogurte pelos mais pobres. Agora, porém, esse movimento de consumo é tido como transitório.
O estudo da Kantar mostra que o auxílio turbinou o consumo de itens básicos – não sós alimentos – nas regiões mais pobres do País. No Norte e Nordeste, o gasto médio das famílias que receberam o auxílio cresceu 9,1% ante 2019, enquanto aquelas que não receberam desembolsaram 2,1% a mais na mesma região.
Também a cesta de produtos perecíveis, que inclui carnes, verduras e frutas, foi a mais beneficiada pelo aumento da renda em 2020. O gasto médio de todos os brasileiros que receberam auxílio aumentou 16% com esses itens. Já os que não receberam destinaram 13% a mais.
FOME
Ainda não há dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) disponíveis sobre como andou a fome no Brasil em 2020, disse na semana passada ao Estadão Alícia Bárcena, secretária executiva da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), órgão das Nações Unidas. Mas, considerando as informações sobre a redução da pobreza extrema, que é medida também pelo acesso a uma cesta básica de alimentos, Alícia calcula que 8,6 milhões de brasileiros deixaram a pobreza extrema no ano passado por causa do Bolsa Família, do Benefício de Prestação Continuada e do auxílio emergencial.
– O desafio é sustentar essas medidas para que, no futuro, essa contenção possa se manter – afirmou.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que autoriza a volta do auxílio foi aprovada no Senado na última quinta-feira (4) e agora segue para Câmara do Deputados – a previsão é que a votação aconteça entre terça -feira (9) e quarta-feira (10).
*Estadão